O governo japonês pediu na sexta-feira (13) a um tribunal que ordene a dissolução da filial da Igreja da Unificação no Japão após o assassinato do ex-primeiro-ministro do país Shinzo Abe em julho de 2022.
A medida do governo ocorre após uma investigação de meses sobre a igreja, formalmente conhecida no Japão como Federação das Famílias para a Paz e a Unificação Mundial.
A investigação seguiu-se às alegações do suposto atirador, Tetsuya Yamagami, de que ele atirou contra Abe porque acreditava que o líder estava associado à igreja, a qual Yamagami culpou pela falência de sua família através das doações excessivas feitas pela sua mãe, que era membro.
No início de janeiro, os promotores japoneses indiciaram Yamagami por homicídio e porte de arma de fogo.
A investigação do governo concluiu que as práticas do grupo religioso – incluindo atividades de angariação de fundos que alegadamente pressionavam os seguidores a fazer doações exorbitantes – violavam a Lei das Corporações Religiosas de 1951.
Essa lei permite que os tribunais japoneses ordenem a dissolução de um grupo religioso se este tiver cometido um ato “claramente considerado prejudicial substancialmente ao bem-estar público”.
O Tribunal Distrital de Tóquio irá agora tomar uma decisão com base nas provas apresentadas pelo governo, de acordo com a emissora pública japonesa NHK.
Esta é a terceira vez que o governo japonês solicita uma ordem de dissolução para um grupo religioso acusado de violar a lei.
O governo também procurou dissolver o culto Aum Shinrikyo, depois de alguns dos seus membros terem cometido um ataque mortal com gás sarin em 1995 no sistema de metrô de Tóquio, que deixou dezenas de mortos e milhares de feridos, e o Templo Myokaku-ji, cujos sacerdotes acusados de fraudarem as pessoas cobrando por exorcismos.
Os tribunais decidiram de acordo com o governo em ambas as ordens.
A Igreja da Unificação no Japão negou repetidamente qualquer irregularidade, prometendo reformas e rotulando a cobertura de notícias contra ela como “tendenciosa” e “falsa”.
Na quinta-feira, o grupo emitiu um comunicado, dizendo que era “muito lamentável” que o governo estivesse buscando a ordem de dissolução, especialmente porque estava “trabalhando na reforma da Igreja” desde 2009. Acrescentou que apresentaria argumentos legais contra a ordem judicial.
Se for dissolvida, a Igreja da Unificação, fundada pelo Reverendo Sun Myung Moon na Coreia do Sul em 1954, perderia o seu estatuto de corporação religiosa no Japão e ficaria privada de benefícios fiscais. No entanto, ainda poderia operar como uma entidade corporativa.
Especialistas argumentam que uma ordem para dissolver completamente o grupo poderia levar anos para ser processada e poderia até correr o risco de levar as atividades da entidade para a clandestinidade.
A Igreja da Unificação tornou-se conhecida mundialmente pelos casamentos em massa, nos quais milhares de casais se casam simultaneamente, com algumas noivas e noivos encontrando seus parceiros pela primeira vez no dia do casamento.
O escrutínio público da igreja no Japão aumentou depois que Abe foi morto a tiros durante um discurso de campanha eleitoral em julho do ano passado.
O suposto agressor de Abe disse à polícia que sua família estava arruinada por causa das enormes quantias em doações que sua mãe fez a um grupo religioso, que ele alegou ter laços estreitos com o falecido ex-primeiro-ministro, segundo a NHK.
Um porta-voz da Igreja da Unificação confirmou aos repórteres em Tóquio que a mãe do suspeito era membro da igreja, informou a Reuters, mas disse que nem Abe nem o suposto assassino eram membros.
Após a morte de Abe, a mídia local publicou uma série de reportagens alegando que vários outros legisladores do partido no poder do país tinham ligações com a igreja, o que levou o primeiro-ministro Fumio Kishida a ordenar uma investigação.
Kishida disse aos repórteres na quinta-feira (12) que os legisladores do partido no poder cortaram laços com o grupo religioso, em meio a preocupações de que a Igreja da Unificação estivesse tentando exercer influência política.
Desde novembro do ano passado, o Ministério dos Assuntos Culturais do Japão questionou e procurou obter documentos da Igreja da Unificação, ao mesmo tempo que recolheu testemunhos de cerca de 170 pessoas que dizem ter sido pressionadas a fazer doações massivas conhecidas no Japão como “vendas espirituais”.
A prática envolve pedir aos fiéis que comprem objetos como urnas e amuletos, alegando que isso irá apaziguar os seus antepassados e salvar as gerações futuras, de acordo com Sakurai Yoshihid, especialista em estudos religiosos da Universidade de Hokkaido.
A CNN entrou em contato com a Igreja da Unificação para um comentário oficial, mas ainda não obteve retorno.
Esta não é a primeira vez que a Igreja da Unificação está no centro de uma controvérsia. Naomi Honma, ex-membro da Igreja da Unificação, disse à CNN que entre 1991 e 2003 ela trabalhou em um caso legal chamado “Devolva-nos a Nossa Juventude”, um processo que alegava que a Igreja da Unificação havia usado técnicas enganosas e manipuladoras para recrutar membros desavisados do público.
Isto, argumentaram, tinha o potencial de violar a liberdade de pensamento e de consciência defendida pelo Artigo 20 da Constituição do Japão.
Após um julgamento de 14 anos, vários depoimentos de demandantes e um relatório de 999 páginas descrevendo o processo de “controle mental” do grupo, o julgamento teve um final.
O Tribunal Distrital de Sapporo tomou uma decisão histórica em favor de 20 ex-membros da Igreja da Unificação que processaram o grupo como parte do caso.
Ordenou que a Igreja da Unificação pagasse cerca de 29,5 milhões de ienes (cerca de R$ 1,01 milhão) em danos por recrutar e doutrinar pessoas “enquanto ocultava a verdadeira identidade da igreja” e por “coagir alguns ex-membros a comprar itens caros e doar grandes quantias de dinheiro”.
Em outro caso controverso, entre 1987 e 2021, a Igreja da Unificação no Japão incorreu em pedidos de indenização pela venda de amuletos e urnas que totalizaram cerca de US$ 1 bilhão, de acordo com a Rede Nacional de Advogados contra Vendas Espirituais – um grupo criado em 1987 especificamente para se opor à Igreja da Unificação.
Nobutaka Inoue, especialista em religião japonesa contemporânea da Universidade Kokugakuin, critica as técnicas utilizadas pela igreja para recrutar e arrecadar fundos. No entanto, ele também observa que alguns dos seus membros se sentiram felizes e em paz depois de fazerem doações para a Igreja da Unificação.